quinta-feira, 31 de maio de 2007

Retrato de antes de ontem à noite

Descubro-me e
tenho susto.
Cubro-me e
tenho medo.
Corro desvanecido
pelos becos e ruas.
Grito,canto e
poetiso pedindo
ajuda...Clamando perdão!
Um bicho me persegue,
morde-me...Pisa-me!
Uma alma me importuna.
Que pensas que sou?
Que pensas que penso?
Penso?Vivo,somente!
Busco no meu interior
o avesso do reflexo de minh'alma!
Tempo perdido...
Tempo passado!
E durmo...

sábado, 26 de maio de 2007

Gritos em Branco

Não tenho nada a dizer,não tenho...
Pois o silêncio me-basta-e-me-usa,
E a companheira solidão,desgraça de quem anda,
Caminha à pés descalços,calmamente,
Ao meu lado.

Não...Não vou dizer nada.
Minha garganta está travada e
As mãos se enferrujaram com o
Vento da desgraça...Com a água
Do pecado.

Não há nada a fazer,não há...
O riso da moça,a morte da
Criança,o estupro do adolescente e
A perda da esperança não merecem
Nada mais que gritos em branco...

[Que gritos em branco!

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Conto inacabado de um sonho que virou morte


Lá no teto encontra-se uma lagartixa, no canto da sala tem-se um gato deitado pensando na morte do rato que mataria sua fome, duas pontas de cigarro coroam um cinzeiro datado de 1932 vindo da Tunísia. A chuva deu uma trégua na sua teimosia de sempre. Há apenas silencio. Os gritos dos loucos foram calados. Uma torneira no banheiro pinga seus últimos suspiros como se fosse o último regurgito de um óbito que já se foi. As almas estão dormindo. As crianças sonham com o impossível, sonham com o endoderma do planeta, sonham com um gansinho dizendo Eu te amo. Os tenores estão calados. A pena dos poetas está falha. O pinho dos músicos desafinou. Apenas, e somente apenas, seu Herzog insiste com o rodar dos ponteiros.
Seu Herzog, descendente de polonês. Oitenta e nove anos passados, mas nem todos vividos. Herzog pensa muito na vida, porém pensa por conta própria. Não é nenhum leitor de filosofia greco-romana nem de Existencialismo Francês. Na verdade seu Herzog sempre disse que “é melhor conversar com o pipoqueiro da esquina do que ler qualquer livro de Heidegger ou qualquer outro desses filósofos moribundos”.Odeia escrever e quem escreve também, aliás ele afirma que quem escreve o que pensa não tem o que fazer...Diz ele que pensamento é para ser pensado e não escrito.
Esse senhor sempre o foi o tipo cara de pedra. Fechado, nunca conversava com ninguém e quando conversava...insultava. Ignorante não media palavrões para serem despejados sobre uma criança ou um louco que por acaso atravessasse seu caminho.
Sempre aos domingos Seu Herzog ia a praça Juvenildo Osteambo no centro da cidade. Era lá que ele encontrava seu único e odiável amigo Kerenski. Este senhor era um solitário também. Morava com 32 gatos que lhe serviam de psiquiatras e muitas vezes livrava-lhe do suicídio. Sim leitor, isso mesmo. Sempre que Kerenski queria se suicidar devido a alguma coisa, por exemplo uma prisão de ventre, ele matava um gato apertando sua garganta até que o oxigênio não se difundisse por as vísceras felinas.

A confabulação entre os dois senhores eram sempre as mesmas:
- Opa Herzog...
- Opa kerenki!
- Bonito pra chover né?!
- É!
- Ô Kerenski posso fazer uma pergunta?
- Claro!
- Qual o remédio que tu usas para prisão de ventre...nunca te vejo reclamando disso.
- Nada...não uso nada.Pensa que sou velho para meu organismo não funcionar direito?!
- É, acho que tô ficando idoso mesmo.
Era sempre essa conversa filosófica que velhos sempre tiram. Nunca falavam de futebol. Odiavam com veemência.
Entretanto, seu Herzog não reclamava tanto da vida. Ele sempre dizia que “as coisas estão” e “não são”, ou seja, ele estava velho e que portanto não era velho. Refutava o verbo “ser” e aclamava o “estar”. Esse senhor tinha uma sorte esplêndida pois as crianças que iam à praça com o intuíto de esmagarem algum pombo sempre se interessavam por aquela figura sádica que era seu Herzog. Digo não só as crianças, mas os loucos traseuntes daquela região também se sentiam atraído pela áurea daquele velho. Dizem que semelhante atrai semelhante, todavia Herzog abominava esses seres. Confirmava que velho só servia para dar conselhos e que conselhos que não se entende para ele é agouro forte. As crianças nem se fala. Dinheiro, choro e chatice...únicas coisas que essas criaturas sabiam fazer e pedir.
As mulheres sempre atraíram seu Herzog, contudo aquela que chamava a atenção desse velhinho não lhe queria e as que ele não gostava caiam em devaneios pela seu silêncio. Nunca tinha dado sorte com mulher. Talvez porque sempre pensou em casar. Sempre se apresentava para as damas falando em casório. Era ciumento.Tinha uma cara de marido chato infernal. Para o seu amigo Kerenski ele contava que não tinha mulher porque não queria...não queria ter trabalho...não queria dividir o salário mínimo previdenciário. Mulher é como menino: só come e dorme e isso para ele não servia. O coitado de Kerenski vivia uma mesma situação. Solitário.
Porém a vida para esses dois era essa. Um vai. Um vem. Um sim. Um grito. Uma dor. Uma morte. Era esse tédio comum vividos durante décadas. Era uma unissonância diária. Sentiam-se felizes?...sentiam-se.

...
No canto da sala a lagarixa acaba de comer mais uma mosca. O cigarro que é tragado pelo vento encontra-se perto do filtro e enquanto os loucos se desesperam, os poetas se entrelaçam nos escritos e os seresteiros entoam canções o gato realiza seu sonho estomacal.
Já seu Herzog adormece do sonho que era viver...
E Kerenski não conversa mais com ninguém.

sábado, 19 de maio de 2007

Banquete para os Sábios


Sirvam-se senhores,a burrice está na mesa!
Venham todos,venham!
Políticos desta Nação que só fazem o bem e que amam o seu povo,podem comer, não tenham vergonha!
Venham também senhores e senhoras cujas aposentadorias o sustentam satisfatoriamente.
Conclamo também os eleitores deste país a se esbaldarem neste ostentado banquete.
Sirvam-se senhores, sirvam-se!
Comemorem vossas aguçadas sapiências.Soltem fogos,mas não deixem de degustarem este maravilhoso prato...Esta burrice deleitosa.
Médicos,Advogados e Camelôs...A festa é de vocês.Foi tudo aprontado para homenageá-los.
Vamos!Festejem a paz mundial,a concórdia. Porém não esqueçam do ódio e da dor.
Os amantes.Ah!Os amantes gritem também.
Entoem a beleza do amor,hiperbolarizem a lealdade e a confiança,vamos!Sei que são capazes!
Jovens garotos comunistas e executivos não fiquem de fora.Celebrem a igualdade que há em todos os níveis,celebrem também a ausência do racismo neste belo mundo e a não estratificação social vigente.
Sirvam-se senhores,sirvam-se!A burrice é toda sua e feita para vocês.
Padres,Pastores,Budistas e Pais de Santo entrem na dança!
Vamos!Vocês conseguiram acalmar seu povo com a crença e ilusão da melhoria.
Os senhores são exemplos a serem seguidos.O planeta necessita de pessoas tão encéfalas como vocês.
Sirvam-se!
Os assassinos,estelionatários,latrocidas,ladrões e estupradores aproveitem a fartura.Vocês não têm culpa de serem assim(o mundo os fez!), até porque não pediram para nascer.Então de quem é a culpa?
Celebrem!Celebrem a honestidade que paira sobro nosso manto.Celebrem o carnaval,celebrem o nosso funeral também.
Cantem senhores.Dancem e façam a festa ficar mais bela...
Poetas e escritores não querem provar um pouco desta iguaria?Vocês são meus homenageados inclusive.Suas palavras ajudaram muito no estabelecimento da ordem transfigurada da paz celestial e social.Suas rimas fez com que o povo (coitados) entrassem na dança da enganação,da ilusão...
Seus grandes fingidores...Facilitadores da irracionalidade...
Sirvam-se por obséquio e aproveitem ao máximo...
Sirvam-se porque eu já estou cheio deste mundo....desse tudo!

quinta-feira, 17 de maio de 2007

15 segundos


Ancorado numa rede macia, aprecio a sofrida e impactante rajada de um vento frio no meu tão desgastado dorso. Penso de imediato em fantasmas. Penso, rapidamente, no amor que espero a tempos...Talvez seja por achar que ela vem emulsificada na alma do sopro que me acalenta.
Com o vento vêm duas criancinhas no outro lado da rua de vestidinhos vermelhos obedecendo os gritos de sua mãe tangedora...essa vaca!Filho, que coisa mais linda... que coisa mais suja quando novos e mais amorosa quando limpos. A suavidade da pele, as mãozinhas finas na minha barba falha, o grito de ai! Quanto amor, quanto ardor.
Porém, "algo de ausente me atormenta", a mãe morta, os filhos chorando, o assassino gritando, o beijo quente. Não sei bem o quê e quem me atribula.
Uma estrelinha, policaudada feito um polvo, transpassa rapidamente como minha última lembrança tua nesse céu que me guarda e me serve de oração.Alguma coisa há. Linda estrelinha, nunca me engana...nunca me abandona. Verdadeira orixá desse cético. A palavra não me basta, o riso infantil do louco não me basta, a certeza não me basta...Uma dose de lirismo com aguardente talvez acalmasse esta angústia. A tensão me acomete. Estou petrificado. Minha vida está atada num nó cego em outras vidas.
Amor?quem sabe...Longe de mim amor. Vai de retro. Sinto medo. Já estou com calafrios. Resquícios de um passado fúnebre? Talvez. Medo? Sempre.
Ah!Senhor se devaneios fossem soldos para contigo,quão salvo eu já estava!
E as duas lindas menininhas se apagam pela esquina tortuosa...

terça-feira, 15 de maio de 2007

Não cantarei o amor


Não há motivos para que eu fale de amor.
Afano amor pelo desvão,porém não o vejo!

Sou consequência do meio onde vivo, e
Neste ambiente o ódio, a arrogância e a crueldade reinam.

No momento trinta e nove infames humanos nesta cidade
Tentam o suicídio.Porquê?

Talvez a beleza das almas expurgadas os espantem;
Quiçá a concórdia lhes deixem manembros.

Indago à Deus.Criador dos mandamentos onde estás?
Há piedade para mim?

E para aquele cujo pé pisa no próprio semblante?
[Não,não há!

Observo no vértice da rua uma rosa;
Rosa de plástico?rosa de vento?

Rosa Quimérica!
Murcha e imcompreensível como eu.

Os poetas cantam o suposto belo amor
[Pura maquiagem da desgraça...O poeta é um ébrio do mundo

Bravateio atonitamente...grito,
No entretanto, veementemente, conteste

Não há porque cantar o amor.
E morro...

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Antitético

Com o sol chovendo em minha face
Evidenciando aquilo que não se vê,
Destravo o desconexo que é nosso enlace
Antitetisando tudo o que se possa crer.

Ah!Santa Puta quanto desvario
Em versos soltos e descompassados,
Vivo sempre num chão vazio
Pisando num ar desagregado.

Pudera ter eu o poder do disfarce,
Transformando-me em palavras que não se lê.

Seria, talvez, o mais belo trapace
De todas as nuvens que teimam correr.

domingo, 6 de maio de 2007

Amor em Marrocos


No dia 11 de junho de 1963 em Saigon. O sacerdote Thic Quang Duc da seita budista reformada se suicida em protesto contra a política religiosa do governo de Ngo Dihn Diem. Enquanto isso em Tanger ,Marrocos, os judeus David Benaliel e Belízia Levy davam o primeiro beijo ardente de muitos que vinham a ocorrer.
David era um rapazote ainda. Magro, barbudo, muito centrado na sua religião. Usava sempre ternos vindos de Casablanca. Sua família era composta de comerciantes que atuavam em todo o Estreito de Gibraltar, porém David nunca se interessou por essas transações. Já Belízia era uma judia um pouco mais recatada, até por causa da própria religião que era muito representada pela figura do pai. Belízia era extremamente atraente. Seus olhos eram fascinantes e ela sabia usá-los nas horas mais convenientes, era o tipo de mulher quieta mas subvertida. Sabia se pôr e se impor diante das situações.
De início o relacionamento dos dois foi muito complicado, como sempre em qualquer lugar da terra há divergências entre duas mentes. Aliás, mentes são divergentes por si só. David era cabeça dura, alienado demais. E Belízia pensava muito. Estava sempre enfurnada em livros de filosofia árabe como Maimônides e outros do século XIV e XV. No entretanto, a paz reinava quase sempre, era difícil ter conflitos a não ser os indispensáveis. Para falar a verdade mesmo, Belízia só se irritava com o espírito não aventureiro de David, e, o fato dele nunca se deixar fotografar. No demais, era quase impossível vê-la triste. Ela achava que a tristeza era o canto que o demônio queria ouvir para se eriçar e atacar sua vítimas humanas- mortais e indefesas. Creio que ela leu isso em algum livro.
Os dois sempre queriam estar juntos. Se amavam às escondidas por imposição de Belízia, já que David era um judeu molenga. Quase todas as noites se encontravam próximos aos muros que defendeu a cidade das invasões portuguesas e construído lá com os Fenícios e Cartagineses. Havia imensas declarações. Anéis de saturno, dragão lunar, estrelas, planetas (principalmente plutão, Bezília era louca por plutão), enfim eram promessas de amor inacabadas. Sempre sonhavam em casamentos. Pensavam nos nomes que iam pôr nos filhos.Nesse momento sempre saia briga, pois David queria pôr o nome de suas filhas seguindo a tradição judaica e Bezília, como estava na moda, queria dar aos filhos nomes espanhóis fortes como Luna, Reina, Perla.

O diálogo que ocorria era sempre o mesmo:
- Meu amor...
- Oi...
- Tu me ama?
- Amo muito!
- Muito quanto?
- Muito!
- Muito muito ou só muito?
- Muito, muito, muito, muito....
Era essa conversa inerente dos amantes. Aquele besteirol amoresco, porém amor.
Esse ar de soberano amor ocorreu por vastos dois anos mais ou menos. Belízia estava com seus vinte e um anos e Benaliel ia entrar na casa dos dezenove, ainda. Certo dia B. levy soube por cartas anônimas que David estava mentindo para ela em certos momentos, pois tinha entrado para o comércio de tapetes persas e os finais de semans que David dizia visitar a sua vó, estava viajando pelo meditrrâneo. Belízia pensou logo em traições e foi irredutível ao afirmar que David era um mentiroso, bonifrate e outras coisas que a censura não permitiria escrever. David tentou se explicar alegando que estava trabalhando para juntar dinheiro para o casamento dos dois. Queria comprar um lote na cidade de Fez. Nada adiantou. Belízia só pensava na desgraça. Era um pensamento fixo, egoísta, carrancudo.Estava tudo acabado e pronto. Se David quisesse vender suas coisas que fosse, mas que a esquecesse. Diluísse a imagem de Belízia de seu intelecto.
D.beneliel ficou desamparado. Pensou em suicídio até!(não havia prozac naquele tempo). Ele trocou o Torá rabino e o muro das lamentações em jerusalém por uma noite nos becos estreitos de Tanger...bebendo muito e comendo carne de porco. Belízia só chorava, chorava até não ter mais lágrimas e quiçá ficar cega. Porém, o enlace foi refeito no outro dia, só que permaneceu aquele clima de nebulosidade. Havia uma desconfiança excessiva por parte de Belízia. O amor tinha se escondido atrás dos muros de Tanger. Todavia a espereança existia. Diziam por lá que a “esperança é a penúltima que morre, quem morre por último é o herói que não deu tempo correr do perigo”. As coisas foram sendo maquiavelicamente acontecendo, maquiagens foram postas na face do amor.
E no dia 4 de maio de 1965, enquanto era comemorado o Dia de Sheila No Gis, deusa proteora dos humildes na Irlanda, David lia uma carta escrita por Belízia aluindo toda aquela história construída por ambos.
Bem no canto dessa carta tinha duas citações:
“O amor é o estado no qual os homens têm mais probabilidades de ver as coisas como elas são” Friedrich Wihelm Nietzsche
“O amor é um não-sei-quê, que surge não sei de onde, e acaba não sei como”

Scydery
Belízia Levy queimou todos os seus livros de filosofia árabe.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Disfarce

Nesta cidade em que os grandes mandam
e os súditos dizem amém,
sinto-me perdido.
Procuro uma saída para este labirinto desconexo.
Busco nos pictogramas nuvescos uma
imagem que conforte minha sombria vida,
mas as sombras somem em dias de chuva.
Bem ao lado um cachorro sarnento
mostra-me o caminho da luz.
No canto meus Orixás se sacrificam
horizantando as pedras no meu caminho...apenas.
Ah! se tudo isto fosse psicografado nas costas do rancor
[que susto ele teria!
Quanto eufemismo!Pra quê? Devo mostrar
o avesso da carne que não é o avesso das
estrelas sorridentes para o crepúsculo?Não!Não posso...

- Prefiro fugir,
Disfarçando-me de criança!

terça-feira, 1 de maio de 2007

Conversa de bar


Passava um cachorro cogitabundo no outro lado da calçada não muito preocupado com os problemas que Zé Maria de Niinha vinha sentido. Aliás, ninguém nunca tava muito ai para a situação vivida por Zé. Zé era um coitado que vivia endividado, dores de dente, cheques voltados, intestino fraco e ainda por cima tinha sido traído pelas quatro últimas mulheres. Enfim Zé não vivia feliz!
Falando alguma coisa boa de Zé, ele tinha um amigo de mesa de bar...era o Antônio Cornetão. Antônio era desses bebos “metidos” a filósofo, psicólogo e de quando em vez agiota. A família de Zé não era muito unida. Suas irmãs brigavam muito, talvez porque fossem bonitas. Amigas ou irmãs que se beijam, trocam carícias só existem se as duas ou forem horríveis ou se forem idosas (eufêmico de velha gagá). Entretanto, sempre no momento do aperreio, como quase toda família, elas se juntavam e eram bem prestativas. Voltando a Antônio Cornetão... Antônio possuía uma filosofia muito rica, aquela que os gregos e todos os filósofos autodidatas possuem, aquelas filosofias inspiradas em um livro qualquer de Paulo coelho.
Zé era desprezado por tudo e por todos, salvo Antônio. Era um sofrimento frio, calado, mas ao mesmo tempo fervilhador. Zé vivia, literalmente, uma briga como a de São Jorge Guerreiro e o Dragão. Na linguagem interiorana uma verdadeira briga de foice. No âmbito filosófico uma crise existencial. Ele sempre achava que era o diferente do mundo, sentia-se o errado, o excluído. Fato este que é na verdade. Zé era tímido, besta e os ambientes visitados por ele eram meio “carregados”. As pessoas eram invejosas, “arteiras”, safadas e isso só acabava mais com Zé, já que aquela anta não prestava atenção em nada.
Cornetão certa vez ia passeando pela praça e avistou Zé lá ancorado em pensamentos de desprezo rindo de um embuá que se enrolava todo quando era tocado, talvez essa foi o único momento nos últimos 10 anos em que Zé soltou um sorriso. Calmamente, sem querer atrapalhar aquele momento de orgasmo cerebral de Zé, Antônio puxou uma conversinha:
- E ai Zé que se passas?
- Tudo indo...
- Indo bem ou indo ruim?
- Indo!O importante num é ir né? Você que me ensinou isto.
- Tô sentindo você meio triste.
- Já me viu em outro estado?
- Não, mas...o que foi que houve?
- Fui enganado novamente por uma mulher, ela acha que eu sou um trouxa. Você acha Antônio? Você acha que eu sou um trouxa Toin?Acha não né?!
- Bem Zé vou ter que ir ali cobrar uns juros de um dinheiro que emprestei.
- Até. Obrigadão ai novamente por ter me confortado. Você é meu amigão viu?!!!
Antônio saiu pela tangente como sempre. Mas foi proposital. Antônio sabia que se consolar uma pessoa que está sofrendo amargamente, que vive se reclamando, que outra consolação sobrará para esse coitado?. Ele tinha em mente que a melhor consolação do sofrimento era o "deixa-sofrer".
Nesse dia Zé passou o dia na praça brincando com os embuás e com algumas lagartas de fogo que por lá aparecia.
Certa vez no Bar da Tesoura Zé encontro com Antônio. Os dois estavam numa cana desgovernada. Foi uma verdadeira sessão psiquiátrica. Zé limpou toda a sua chaminé e ainda escutou alguns ensinamentos da filosofia “prussiana” de Antônio. Um desses conselhos mudaria, definitivamente, o modo vivendis de Niiinha.
Passado alguns dias, Zé Maria começou a visitar cada vez mais aqueles supostos locais "carregados" que lhe davam tanto medo antes, começou a conversar com as mulheres que desprezavam-lhe; Zé levou até aquele cachorro para criar em casa. Enfim a conversa de Zé com Antônio foi extremamente proveitosa. Essa sessão tinha mudado completamente a sua vida. Zé começou a falar muito. Entrou até para o Sindicato dos descarregadores de caminhão (SINDECA) de sua cidade. Tornou-se o principal orador nos movimentos de esuqerda dos quais participava.
Após uns dias Zé avistou Antônio lá na travessa da queda.Chamou-o, porém não foi escutado. Deu aquele assovio (ffffiiiiiiiiiiooo)... Zé tinha até aprendido a assoviar! Antônio olhou para trás meio desconfiado. Agiotas sempre andam apreensivos, com medo que um de seus credores mandem um balaço endereçado no seu tronco encefálico. Mas Antônio reconheceu Zé e parou:
- Diga meu inexorável e antioxidante Zé. Grande autarquia!
- Diga Antônio.
- Como vai Zé?Noto você um pouco mais ai com o mundo.Estou certo?
- Certíssimo!
- O que houve? Virou político?
- Quem me dera!
- E o que foi então?
- Você, Antônio!
- Que foi que eu fiz?
- Aquela nossa conversa daquele dia. Aquela conversa me modificou completamente. me tornei outra "coisa".
- Mais o que foi que eu disse criatura que te modificou tanto?
- Algumas coisas.
- Claro né! Pelo que eu lembre eu não parei de falar um minuto...Noto você freqüentando aqueles locais outrora não idos, noto você conversando com aquelas vadias que desprezaram-no, soube até que cria um cachorro. Diga-me que disse para mudar tanto sua vidinha.
- De toda aquela conversa, Antônio, só uma coisa me serviu.
- O que foi?
-Você disse para que eu não me irritasse com os desprezos e os insultos feitos pelo povo alheio, disse que eu estudasse todos e tudo calmamente e, a partir daí faria dessas pessoas e do mal que eles me fizessem o meu melhor e mais divertido recreio.


Primeiro conto.Inspirado em quatro versinhos de Mário Quintana.